No relato do encontro referente a 23/09/2011, postado pela professora Vanessa, faltou uma das respostas à atividade proposta para o Seminário de Práticas Educativas, realizado uma semana antes. Trata-se da minha resposta às questões como vejo os educandos? e quem são esses sujeitos?
Tomei a liberdade de postar esse texto isoladamente, pois a primeira escrita não costuma ser clara e precisa o suficiente para nortear reflexões que contornem subjetividades. E professor de português vocês sabem como pensa: “um texto sempre pode ficar melhor...” (tá, isso também é do imaginário social, mas no meu caso, aplica-se com perfeição). Todavia, para não desvirtuar a proposta, que se concentrava, justamente, no modelo de escrita “tempestade de ideias”, disponibilizo meu texto original para apreciação:
Entendem o que eu quis dizer com “um texto sempre pode ficar melhor”? |
Agora, os pontos que quero destacar e a partir dos quais proponho novas questões, relacionando-as com a reflexão sobre o currículo, tema central de nossos encontros:
Nos ciclos III e IV não temos mais crianças
Pré-adolescência e adolescência. Todos conhecemos as alterações físicas e comportamentais dessas fases, e só o desejo de independência/individualidade e a supervalorização das relações afetivo-sexuais bastam para gerar várias das atitudes agressivas e displicentes que tanto nos obrigam a, no mínimo, “atrasar o conteúdo”.
De que forma o currículo prevê, ou deve prever, o ensino nessas fases da vida dos alunos? E não estou me referindo tão somente a uma Educação Sexual – tema certamente merecedor de tratamento fundamental – e a livros didáticos inteiros dedicados ao assunto “sou jovem e ninguém me entende”, senão a uma proposta viável e séria, voltada para o desenvolvimento físico, intelectual e comportamental dos jovens para a realidade sócio-histórica da qual fazem parte.
Alunos curiosos, mas desinteressados? O que nós, professores, não estamos vendo?
Um exemplo: em uma semana de agosto deste ano, quatro grupos de alunos separados por anos (6os, 7os, 8os e 9os), foram, cada um em um dia, a um cinema – localizado em um shopping, como quase 101% dos cinemas – assistir a uma cópia dublada da segunda parte de Harry Potter e as relíquias da morte. O filme é legal (tem ação, aventura e romance), os atores principais são jovens, bonitos e famosos. Ir ao cinema também é legal.
De modo geral, não houve cobranças de interpretação da narrativa fílmica (eu cheguei a fazer algumas perguntas – nada complexas – sobre o filme, mas em apenas uma turma e, confesso, por ter sido avisada, às pressas, de uma ausência docente).
E quanto aos alunos? Gostaram? Sim, gostaram do banheiro do shopping, da escada rolante, das lojas, da bombonière, das poltronas da sala de cinema, do escurinho do cinema... O filme não importou, a experiência da tela grande, menos ainda. Não sabíamos nós, os professores, que a vivência no ambiente shopping era o que desejavam? E que a combinação pré-adolescentes + passeio de escola + cinema não é igual a “apreciar a sétima arte”, mas a ser pré-adolescentes no cinema (paquerar, “ficar”, comer quilos de pipoca e beber litros de refrigerante, fazer piada com as cenas e personagens do filme etc.)?
OBSERVAÇÃO: não comento comportamentos mais graves de indisciplina relatados pelos professores por entendê-los como casos pontuais, com alunos recorrentemente neles envolvidos.
Enfrentadores, críticos, questionadores, expansivos...
Hoje, os alunos falam, opinam (e como falam!, e como opinam!). Muitos questionam o porquê do que pretendemos ou não fazer, questionam a validade e a necessidade do que ensinamos e do que eles “precisam” aprender. Alguns enfrentam professores, diretores, vices, demais funcionários da escola, e sem qualquer receio de uma punição mais severa. Os que o fazem de modo agressivo são, felizmente, poucos, mas um grande número de alunos enfrenta, com variados níveis de imposição da vontade, as figuras de autoridade.
O espaço e a valorização que a figura e a voz do jovem ocupam na sociedade reforçam os episódios de enfrentamento, já naturais para a faixa etária. A submissão característica de alunos das gerações passadas tende a decrescer cada vez mais (e acreditem, estou me vigiando para evitar julgamentos: não ouso dizer se é melhor ou pior, mas é um fato).
Atualmente, existe algum espaço ou momento, na escola, que verdadeiramente contemple essa postura expansiva dos alunos (excetuando-se os breves momentos, em uma ou outra aula, de um ou outro professor)? Que currículo considera esse comportamento franco, comunicativo e entusiasta – cada vez mais típico – merecedor de incentivo? Esse comportamento é merecedor de incentivo? E em que condições?
Dinâmicos, superficiais e efêmeros como a atual sociedade em que vivemos
Observando com criticidade a sociedade em que vivemos e a vida que levamos (desconsiderando, obviamente as singularidades próprias de grupos sociais restritos), o que apreendemos como o mais comum de nossa época? Superoferta, superacesso e supervalorização de informação, bens e serviços (não por acaso o etnólogo Marc Augé prefere o termo supermodernidade à pós-modernidade). É possível, para qualquer homem que não seja super, processar tudo o que acontece a sua volta? Não. Isso nunca foi possível, ainda mais quando essa “volta” engloba, não raramente, todo o globo...
Ora, para aproveitarmos tudo o que há de disponível (vivemos na era do consumo e do prazer, afinal), então, temos de fazê-lo rápida e superficialmente.
Corro o risco, agora, de parecer obtusa e, também eu, superficial, mas os alunos com os quais trabalhamos são fruto desses excessos: de vontade, de liberdade, de coisas para fazer, de coisas para ter, de identidades para ser, enfim, excesso de tudo. Resultado: inevitáveis angústia e autodepreciação.
De que currículo precisamos para formar pessoas que vivem nesse mundo? De que currículo precisamos para (trans)formar pessoas que atuem nesse mundo?
NOTA SOBRE O TÍTULO: Mais uma vez, voltei a Saramago...
Silmara Rodrigues - professora adjunta de português dos ciclos III e IV
Silmara e demais meninas,
ResponderExcluirLi sua postagem Sil e aquelas escritas no Seminário. Acho que se queríamos sensibilizar o olhar das pessoas e tentar provocar uma reflexão sobre os nossos estudantes...Pelos registros, fica difícil saber se conseguimos.
Parecem que respondem (com exceção do seu texto refeito e melhor esmiuçado, Silmara) à uma "perfil" de estudantes que caberia em muitas (ousaria dizer na maioria) das escolas que conhecemos, não?
Talvez o modo como colocamos, o modo como estava escrito, o lugar (Seminário)... enfim...
Como poderíamos levantar estas "características" dos nossos alunos que imaginamos que podem afetar mais fortemente o planejamento na NOSSA escola e que em outra nem seria imaginado?
Não sei!
Abraço em cada uma.