sexta-feira, 20 de maio de 2011

Mudaram-se os tempos, mudaram-se as vontades (de quem)?

SILMARA RODRIGUES
Essa é a primeira vez que me proponho a comentar criticamente um tema pedagógico. O assunto: currículo. O texto: Educandos e educadores: seus direitos e o currículo, de Miguel Arroyo.
Vamos lá: o currículo, então, é a base de todo o planejamento escolar. É em torno dele que se estrutura toda a organização da escola, desde horários e conteúdos até a relação professor-aluno e a diversificação estabelecida entre os professores (responsáveis por disciplinas encaradas como menos ou mais “importantes”, por exemplo). Além disso, o currículo deve ser construído coletivamente, por professores, gestores, e motivado pela diversidade dos novos educandos.
Arroyo destaca, reiteradamente, que a constituição identitária do educador na atualidade tem proporcionado questionamentos acerca de seu papel como trabalhador da educação, de suas práticas, bem como do perfil do educando. E é exatamente o olhar para o educando que motivaria a necessidade de repensar o currículo, já que a estrutura escolar – ordenada pelo currículo – conforma os alunos – e também os professores e gestores, acrescenta – em “protótipos legitimados”, isto é, categorias de sujeitos, figuras próprias do universo escolar, mas que se consolidam para além desse universo, de forma até mesmo estereotipada.
            Concordo com ele quando enfatiza que o currículo deve ser fruto de uma reflexão coletiva, e nem poderia ser de outra forma, já que diz respeito a todos os profissionais e frequentadores do espaço escolar. Coerente, também, é construí-lo com um olhar voltado para os educandos e, portanto, privilegiando tanto o conhecimento de per si quanto sua ordenação, tempo e espaço apropriados e possíveis.
            Atribuir, no entanto, o “mal-estar nas escolas” a uma mera rigidez de interpretação no que se refere ao tempo de aprendizagem do aluno é subestimar a capacidade de reflexão de todo um corpo docente e gestor – e dos quais fazem parte inúmeros profissionais em constante contato com novas formas de aprimorar seus conhecimentos e práticas.
            É bem verdade que, a partir do momento em que aceitamos a emergência de novas subjetividades – isto é, em termos de uma percepção realmente consciente do fenômeno, já que este inevitavelmente se impõe e guia as relações, mesmo não nos dando conta disso – precisamos elaborar outras formas de interação, mais condizentes com as novas expectativas dos novos sujeitos. Mas, pergunto-me se este é o principal fator das indisciplinas que enfrentamos nas escolas – bem diferentes do simples desinteresse e das “conversas paralelas” à aula. Nesse caso, estaríamos falando de um choque de gerações com repercussões bastante ampliadas do que foram no passado. E para a crença de que a escola se firmou como a instituição mais conservadora de todas, essa é uma boa notícia, uma vez que o conflito de valores entre educandos e educadores só parece estar levando a uma reorganização que torne a escola um ambiente agradável para o estímulo ao desenvolvimento do aluno.
Pelo menos esse é o interesse que vejo nas reuniões das quais participo, nas quais têm se repetido três questões mais ou menos constantes, e que percebi nortearem o texto de Arroyo: o que ensina a escola?, como ensina a escola? e para que ensina a escola?
As duas primeiras perguntas costumam ser as que mais ocupam os tempos de discussão e em torno das quais giram as propostas de mudanças. Mas talvez seja a última que precise ser esgotada em suas significações. Afinal, qual a finalidade do ensino atualmente? Estão sendo formados alunos para o mercado de trabalho? Estão sendo formados para a vida? E qual vida? O aprofundamento dos conteúdos tem dado conta dessa formação, seja ela qual for?
            Se o dinamismo atual suplanta o aprofundamento, a aula deveria, então, ser tão dinâmica e superficial quanto todo o resto... Se a imagem é o centro das atenções, a aula deveria ter uma forma que prevalecesse sobre o conteúdo...
            Por fim, parece que compliquei mais do que expliquei. Não estou tão otimista quanto aos novos passos da educação (por si só perdida entre modismos pedagógicos e desventuras curriculares) e tenho me lembrado de Saramago, desencantado com a falta de interesse pela leitura. Meu desencanto tem ido um pouco além: triste realidade quando se precisa estimular alguém a querer aprender.
            Ou talvez essas sejam apenas considerações próprias da representante de uma geração cujas vontades não correspondam mais ao mundo atual.

REFERÊNCIAS
GONZÁLES ARROYO, Miguel. Indagações sobre currículo: educandos e educadores: seus direitos e o currículo. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Básica, 2008, p. 17-23.

Mas também tem um pouquinho de Tudo o que é sólido desmancha no ar, de Marshal Berman, O declínio do homem público: as tiranias da intimidade, de Richard Sennett, além de Camões...

Um comentário:

  1. Silmara,
    Ao ler seu texto, pensei em algumas coisas... A primeira delas é a concepção de currículo que interpretei nele. Qual seria? Uma "base"para o planejamento? OU o próprio planejamento, constitui também o currículo, se o pensarmos como conjunto de práticas e ações?
    Penso também que às vezes substimamos palavras usadas nos textos correntes entre nós. Lemos tanto sobre "os tempos dos alunos"e os "tempos da escola" que julgamos a rigidez desta última com algo simples de ser analisado, ou naturalizado ao ponto de julgarmos irrelevante o debate para questões acerca da indisciplina, por exemplo! Que poderes temos sobre o "tempo da escola"?
    Gostei muito da discussão acerca das novas subjetividades trazida por Arroyo e inteireada por você! Algo que discutimos pouco. Como você mesma diz somos "representantes" de qual geração?
    Menina! Quanta coisa você levantou?
    Vocês discutiram seu texto no último encontro?
    Beijocas,
    Mafê

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